domingo, 28 de maio de 2006

Gosto de lembrança

O que une os homens é sua apetite em comum, disse uma vez Veríssimo. Grande LFV.

Nunca gostei muito de doce. Sempre gostei mais de coisas salgadas, cheias de massa, e queijo, e essas coisas. Mas tem coisas independem de gostos, preferências, vontades, sexo, grau de intelectualidade, visão política, time de futebol e religião.

Lembro-me dessa cena como se fosse ontem: casa da vovó Olinda, lá pelos meus seis anos. Era uma casa muito aconchegante, típica de avós. Aliás, a minha avó é uma típica avó. Que gosta de novela, de tricotar e que, acima de todas as coisas, cozinha que é uma beleza. Não lembro bem o que estávamos comemorando, talvez o aniversário do, agora falecido, vô Osmar, que me faz uma falta que vocês nem sabem o quanto. A única coisa que me lembro era o bolo que estava em cima da mesa da sala, coberto por aquelas peneirinhas de plástico. Não era nenhum bolo elaboradíssimo, feito com contribuições de grandes chefes, mas sempre foi o bolo que eu mais gostei e que sempre lembro com carinho. A massa era fofa, amarela, e nunca soube ao certo do que era. Não era de leite, tinha alguma coisa a mais. Lembrava laranja. Sempre gostei muito de laranja. Por cima, havia uma cobertura de chocolate. Mas era a cobertura. A cobertura da vovó. Ainda enfeitado com os granulados de chocolate e cerejas. Nunca mais comi esse bolo, e acho que nunca mais vou comer, porque depois que a vovó veio morar com a gente, só tem feito bolos de caixa.

Um outro bolo, um dos últimos, que não foi comprado no supermercado em caixinha, que a vovó fez quando veio pra ca, também não sei do que era. Aliás, essas coisas gostosas a gente nunca sabe do que que é. O bolo era lindo. A massa era ainda muito mais macia e também tinha um gosto de sei lá o que. Mas não lembrava laranja. A vovó tinha feito um creme, também não sei do quê, muito bom. Ela recheou o bolo, cobriu e ainda fez um bolinho menor, pra ficarem dois andares. Decorou tudo com coco ralado e cerejas. Era um bolo gelado. Explêndido. Só não ficou muito bonito depois que eu caí com o bolo inteiro nas mãos, mas acho que era gostoso do mesmo jeito.

Também tenho uma outra lembrança de bolo. Essa é bem recente. Perto do colégio tem uma doceria, muito, muito boa. Ela é pequena, bonita e lá só tem coisa gostosa. A doceria do Tio Océlio. Lá tem um bolo de chocolate enorme, que parece que foi afogado em cobertura de chocolate. É, ele fica lá, nadando, em meio à cobertura. Mas a melhor parte é o granulado e aquelas bolinhas de chocolate que ficam em cima. Pai do céu.

Quando eu tinha uns nove anos, costumava ir à padaria da esquina comprar coxinhas de frango. Sempre gostei de coxinha de frango. Um dia, fui com a minha irmã e nós resolvemos comprar quatro, duas pra mim e duas pra ela. Eram bem grandes e estávamos na época que o lanche era cinquenta centavos e com mais cinquentinha dava pra levar Coca-cola em um saquinho plástico com um canudinho. Compramos e viemos comendo. Meu Deus, eu nunca mais comi coisa igual. A padaria já tinha sido melhor, tinha até sorteio de bicicleta, mas agora estava entrando em decadência. Mas aquela coxinha de frango... Era digna de um Cheff italiano. Tinha uma massa muito boa, mas não era muita. O recheio era uma coisa de louco. O frango queria sair, quase explodindo na massa, bem quente. E não era aquele recheio seco, a massa tampouco. Tinha um tempero especial. Só de pensar... No outro dia voltei lá e comprei mais algumas, mas não eram iguais. Eram aquelas coxinhas sem graça de sempre, com mais massa que recheio, e um recheio que nem era tão bom. Aquelas quatro coxinhas que tínhamos comido no dia anterior eram abençoadas. Únicas. Nunca mais comprei coxinhas naquela padaria. Comecei a comprar pastéis e uns pãezinhos que vinham com um molho de maionese, presunto e mais algumas coisas que eles chamavam de pão-salada. Mas nada se comparava.

Depois começou a época os sorvetes. Tinha que tomar sorvete todo dia. Íamos eu e a Layla. Tinha uma sorveteria há duas quadras de casa, que também não era lá essas coisas e o sorvete nem era muito bom. A Sorveteria Real. O dono era um velhinho, que eu nunca entendia o que falava. Sempre pedíamos o cascão de duas bolas, de chocolate, com calda de chocolate, granulado e aqueles canudinhos de wafer. Só que um dia chegamos lá e não tinha de chocolate. Tivemos que pedir outro sabor. "Brigadeiro!" Não tinha também. Então, "Vê um de morango aí", cascão de duas bolas com calda de morango, granulado e o canudinho de wafer. Era o jeito. Tínhamos que tomar sorvete, afinal. Pois aquele sorvete... Sorvete de morango e com pedaços de morango. O melhor sorvete de morango que já tomei. Voltamos no mesmo dia e compramos mais dois. No outro dia, já não era mais o mesmo sorvete. Tinha acabado.

Há uns poucos anos, dois ou três acho, abriu uma outra sorveteria aqui perto. A Colméia. Na verdade, é uma doceria, mas até hoje só entrei lá pra comprar sorvetes. E uma vez uma coxinha de frango que nem era tão boa. A primeira vez que eu entrei lá, me espantei com o preço, levando em consideração o tamaninho do sorvete. Mas pedi com firmesa "'Chocolate!". Não tinha. Meu fim. "Temos de flocos nevado". Mas que diabos era aquilo? Flocos nevado? Esse pessoal inventa tanta coisa... Sorvete de chocolate com pedaços de chocate brando. Pedi. E não me arrependi. Sonhei com o sorvete. E no outro dia fui lá, comprar outro. Não tinha mais. Nem no outro dia, nem no outro, nem no outro. Não tive mais notícias do flôflô, meu apelido carinhoso para uma das minhas mais doces lembranças.

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